top of page
criancas-pobres-coletam-lixo-a-venda_115

As cooperativas que trabalham na reciclagem do lixo têm um papel social importante, tanto na vida dos catadores quanto na preservação do meio ambiente. Com a chegada da pandemia, entretanto, a dinâmica de trabalho precisou ser alterada e a situação econômica de quem depende da reciclagem para sobreviver piorou.

 
Quem Sou

Desde os sete anos de idade, Ademir Menezes trabalha na mesma função. Ele é catador. Hoje atua na Cooperativa de Catadores da Cavalhada, a Ascat, local que ajudou a construir. É da atividade de separar, no lixo, os resíduos descartáveis dos materiais que podem ser reciclados que Ademir e outras dezenas de famílias tiram seu sustento. Só que, em março, com as medidas para evitar o contágio pelo novo coronavírus, a cooperativa diminuiu o horário de trabalho, o que levou à diminuição de suas rendas e pôs em perigo a segurança alimentar da comunidade.

 

Das pessoas que trabalham na Ascat, muitas delas são do grupo de risco, incluindo Ademir. Os materiais que chegam no galpão, local onde é feita a separação dos resíduos, vêm de muitos lugares diferentes, e isso impossibilita saber se estão contaminados. “Mas apesar do medo de pegar o vírus, não era uma opção parar de trabalhar”, conta.

Em razão disso, passaram a adotar um sistema de rodízio, onde primeiro recebem o material, que por quatro dias fica “em quarentena”, parado para eliminar a possível presença do vírus. Após esse tempo, eles voltam para o local e trabalham na separação dos resíduos. Nos dias de quarentena, ninguém trabalha. A nova logística, necessária para a segurança dos catadores, causou impactos  econômicos nos catadores, que viram sua renda diminuir.

O caminho do lixo (1).gif

A classe dos trabalhadores que lidam com reciclagem foi uma das que sofreu com a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. No Brasil, segundo o Movimento Nacional dos Catadores (MNC), é estimado que existam 800 mil catadores profissionais em atividade. Eles são responsáveis pela coleta de 90% de tudo que é reciclado no país. Para Ademir, ele e seus colegas são agentes ambientais que, através da atividade que exercem, “protegem a natureza.

Em Porto Alegre existem 16 Unidades de Triagem conveniadas ao município. Elas possuem gerência própria e recebem um valor mensal, por meio de contratos com a prefeitura, para garantir o custeio e a manutenção do serviço. O valor é utilizado para o pagamento das contas de água, luz e eventuais consertos dos equipamentos de trabalho das Unidades.

1563814131_35ab9ccf0221dd5472e7e9889db90
1563805952_a6c8534dfe4cb3a5e4a7c39bd0b8f
1563814134_8816fd4a0332caff867cc3b96bd62

As catadoras da Unidade de Triagem e Compostagem da Lomba do Pinheiro, a maior da cidade, falam que a falta de um vínculo empregatício formal faz com que a renda das pessoas que trabalham nas UTCs dependa exclusivamente da quantidade de matérias que reciclam em cada dia. Com isso, precisam estar com boas condições de saúde para trabalhar.

 

Graziela Alves, uma das coordenadoras do local, explica que na UTC da Lomba elas trabalham de segunda-feira à sábado, o que dá uma média de 25 dias por mês. Como recebem o dia trabalhado, cada falta é um desconto que pode pesar muito para o salário. O valor que conseguem com a separação dos materiais  do dia é somado e dividido igualmente para cada um dos catadores e catadoras que puderam cumprir a sua jornada. Aqueles que faltam não entram na divisão e, por não haver o registro na carteira de trabalho, - não têm direitos trabalhistas- não é aceito nenhum tipo de atestado.

 

Assim como na Ascat, o trabalho com reciclagem é a principal renda das pessoas que atuam na UTC da Lomba, quando não são, na maioria dos casos, a única fonte para tirar o sustento. A crise dos últimos meses, causada pela pandemia,  teve fortes impactos para as famílias do local. Além disso, também tornou ainda mais graves os problemas que já faziam parte do cotidiano dessas trabalhadoras e trabalhadores.

DESVALORIZAÇÃO

Giovana Fagundes, de 28 anos, é uma das catadoras da Lomba e trabalha com reciclagem há pouco mais de quatro anos. Ela fala da impossibilidade de ficar em quarentena diante da falta de segurança financeira. “Eu preciso ajudar em casa, né? E o auxílio emergencial de 600 reais ajudou a me manter, já que a renda da reciclagem diminuiu nos últimos meses, mas ainda não foi o suficiente para deixar de trabalhar”, conta.

 

Essa redução da renda foi sentida pelos profissionais dos dois galpões de reciclagem. É que as empresas que compram alguns dos materiais, como o papelão que é separado e prensado pelas cooperativas, suspenderam suas atividades ou diminuíram  o valor pago para os catadores. Nesta situação, passaram também a depender de outras pessoas e instituições que ajudaram por meio de doações de cestas básicas.

 

Antes da pandemia, na Ascat, era possível tirar entre 1.800 a 2.200 reais mensais para cada catador. Hoje, quem trabalha lá vive com uma média de 600 reais. Com a renda prejudicada, precisaram encontrar formas de suprir a falta do dinheiro. Alex Cardoso, estudante de Ciências Sociais da UFRGS, vêm de uma família de catadores e já na infância acompanhava os pais na coleta dos materiais. Ele é um dos trabalhadores da Ascat e participa das mobilizações de suporte a sua categoria.

 

“Nós somos trabalhadoras e trabalhadores, mas diante desse contexto da pandemia diminuiu muito o acesso à renda que faz com que nós sustentemos a nossa família. Tivemos que nos mobilizar a partir de campanhas solidárias, solicitando apoios de solidariedade e empatia para   que as pessoas da comunidade pudessem nos ajudar com recurso para complemento de renda, com cesta básica, materiais de higiene”, explica Alex.

Além das arrecadações feitas pela Cooperativa, o próprio MNC lançou uma campanha de solidariedade, pedindo apoio da população para a compra de alimentos para  os profissionais de todo país. 

Nos primeiros meses de isolamento, foram muitas as doações recebidas. Tantas que até era possível doar parte dos alimentos para os moradores dos arredores da Cooperativa, que também enfrentam dificuldades para conseguir emprego. Entretanto, conforme os meses foram passando, as ajudas foram diminuindo. 

 

Ademir acredita que um dos motivos que levou à diminuição das doações foi justamente o aumento do valor dos alimentos, além da pressão que o governo criou de que as pessoas deveriam voltar a trabalhar normalmente. “A gente viu que aquilo era um fervor, um calor. A solidariedade, parece que ela esfria. As pessoas fazem parecer que é um fervor, mas aquilo começou a diminuir”, ele comenta. 

TRABALHO DIGNO

São muitas as pessoas que encontram na reciclagem um caminho para tentar superar os apertos financeiros comuns a quem vive nas periferias. Com o desemprego e com a falta de oportunidades de um sistema que falha com elas, os galpões das cooperativas são portas para  melhores condições de vida. Zuleica da Silva, que é parte da equipe administrativa da UTC da Lomba do Pinheiro, conta que conheceu o espaço em um momento de muitas dificuldades. Com o tempo, pegou gosto pela nova profissão e decidiu ajudar na administração do local. Há 14 anos atuando na Unidade,  ela é a segunda coordenadora geral da UTC. 

 

Zuleica entende que parar todas as atividades do galpão resultaria no acúmulo de resíduos espalhados pela cidade, por isso seguiram trabalhando normalmente. Ela conta que eles tomaram todas as medidas possíveis de prevenção e afastaram as pessoas do grupo que são mais vulneráveis para não correr o risco de serem contaminadas.  Na Lomba do Pinheiro, o material que recebem é de resíduos hospitalares. Por esse motivo, equipamentos como luvas e aventais de proteção já eram utilizados rotineiramente. Em abril, tiveram a visita de um médico que falou sobre prevenção ao contágio e receberam orientações de higiene pessoal e coletiva do DMLU. 

 

Já na Ascat, a relação com o órgão que representa a prefeitura foi mais turbulenta. Devido ao método que encontraram para se prevenir, fazendo a “quarentena” dos materiais, precisaram diminuir a quantidade de resíduos recebidos.   Isso levou a um conflito com a prefeitura que, segundo Ademir, queria os obrigar a voltar a trabalhar normalmente. Em razão dessa pressão por parte do órgão municipal, entraram com uma ação junto ao Ministério Público exigindo que voltasse à rotina de trabalho anterior à pandemia. Além disso, o DMLU deveria se responsabilizar por disponibilizar os Equipamentos de Proteção Individual, o que não aconteceu. 

“A prefeitura não deu apoio nenhum, não deu orientação, não deu nada. Inclusive, deu até briga aqui, porque eles queriam entrar de qualquer jeito para descarregar o material", conta Ademir. Ele ainda fala que, por um tempo, a prefeitura cortou o convênio que tinham com a Cooperativa, e eles deixaram de receber o valor que utilizam para as despesas e manutenção do espaço.  Mesmo com a insistência por parte da prefeitura, ele defende que a prioridade do momento é manter a saúde e a segurança dos trabalhadores e trabalhadoras do local.

Para contribuir com doações para as Cooperativas, é possível entrar em contato através dos canais a seguir:

- Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis do Loteamento Cavalhada (Ascat): (51) 98922-6565

- Unidade de Tratamento e Triagem da Lomba do Pinheiro: (51) 3103-3162

 

- Movimento Nacional dos Catadores: solidariedadeaoscatadores.com.br

Leia a parte 1 da reportagem,

sobre a reciclagem em Porto Alegre

Reportagem

Andressa Mendes, Émerson Santos, Filipe Pimentel e Thaynan Schroeder

Diagramação

Andressa Mendes

Infográficos

Thaynan Schroeder

bottom of page